Abril de 2010. Os principais nadadores do país se preparam para a disputa do Troféu Maria Lenk, na Unisanta, em Santos. Precisam nadar bem, pois o torneio é seletiva para o Campeonato Pan-Pacífico, principal competição internacional do ano. Ou, ao menos, os atletas imaginam que seja.
Na realidade, até alguns dias antes do Maria Lenk os critérios para a formação da seleção brasileira não haviam sido anunciados pela CBDA. Havia duas possibilidades. A primeira seria que apenas o Maria Lenk serviria como seletiva, e assim os nadadores deveriam chegar ao torneio muito bem preparados, para brigar por convocação. A segunda seria que competições do segundo semestre de 2009 também seriam consideradas, como o Finkel e o Open.
Nesse caso, os nadadores que já haviam obtido bons resultados teriam suas convocações praticamente garantidas, pelo fato que em 2009 ainda eram permitidos os trajes tecnológicos, barrados em 2010, e obviamente os tempos provavelmente seriam bem melhores que os que seriam obtidos no Maria Lenk. Estes nadadores, então, não precisariam chegar à competição na melhor forma e poderiam visar toda a preparação diretamente para o Pan-Pacífico.
Uma semana antes do Maria Lenk, o critério foi anunciado. E foi considerada justamente a segunda possibilidade. Compreensivelmente, pouquíssimos atletas melhoraram suas marcas de 2009, e a seleção foi formada basicamente pelos resultados do ano anterior.
Uma chuva de críticas inundou a CBDA, inclusive da imprensa internacional. Tanto por anunciar o critério tão em cima da hora, quanto por considerar um critério esdrúxulo, que considerava tempos de competições diferentes que, pelo fato dos trajes, eram incomparáveis. “O ruim foi a demora para divulgar esses critérios. Eu, por exemplo, fiz uma preparação para chegar aqui (Maria Lenk) com condições de fazer um bom tempo. Se soubesse disso antes, teria dado prioridade ao Pan-Pacífico, em agosto”, disse Nicholas dos Santos, em uma das inúmeras reclamações.
A CBDA já vinha sendo criticada há algum tempo, pela falta de planejamento e desorganização. Assuntos como a falta de clareza no repasse aos atletas dos recursos provenientes dos Correios e as diversas assembleias marcadas para o tardio mês de março em vários anos para aprovar o calendário do ano vigente, afetando planejamento de clube e atletas, eram assuntos recorrentes e debatidos. Parecia que, àquela altura, a administração da entidade, que claramente estava com prazo de validade vencido havia alguns anos, havia chegado ao fundo do poço. Apenas parecia.
Na época, aventou-se timidamente até um boicote dos nadadores ao Troféu Maria Lenk e ao Pan-Pacífico, lembrando o que fez a equipe brasileira de tênis em 2004, que se recusou a jogar a Copa Davis em protesto contra a administração, levando o Brasil à terceira divisão e ocasionando a queda do então presidente da CBT Nelson Nastás.
Como sabemos, nada disso ocorreu e a diretoria da CBDA continuou à frente da entidade por quase sete anos, dificultando toda e qualquer ação de oposição. E sem melhoras.
O fundo do poço chegou de verdade semana passada, com a prisão do presidente de 1988 a 2017, Coaracy Nunes Filho, do superintendente Ricardo de Moura, do diretor financeiro Sérgio Ribeiro Lins de Alvarenga e do coordenador de polo aquático Ricardo Cabral, detidos na Operação Águas Claras, acusados de formar um esquema de desvios de recursos públicos repassados ao órgão. Para mais detalhes acerca da operação, confira aqui.
É um fim melancólico para uma administração que ficou quase 30 anos no poder e que só fez se perder nos últimos (muitos) anos. À parte das prisões, o mau uso do dinheiro público e a falta de planejamento têm sido uma constante. Temos visto muitos casos em que gestões que se perpetuam no poder terminam de maneira trágica, quando não escandalosa. Quem sabe se houvesse tido uma movimentação maior contra aquele critério de 2010, que representava apenas o estopim para tantos outros absurdos, as coisas não pudessem ter sido diferentes ao menos nos últimos anos?
Na realidade, o anúncio daquele critério só denunciava a falta de gestão e planejamento que todos sabiam que existiam, mas deixavam que empurrassem com a barriga. Além dos exemplos já citados, há muitos outros: utilização de tabela de índice técnico desatualizada (em 2015 ainda utilizavam tabela de 2011, sendo que a FINA a atualiza todos os anos); cancelamento dos campeonatos brasileiros de inverno em 2016, tirando a oportunidade de muitos atletas infantis, juvenis e juniores alcançarem os objetivos pelos quais tinham planejado; a imposição de uma comissão de atletas escolhida pela própria entidade, ferindo a Lei Pelé; grandes competições com medalhistas olímpicos sem o menor interesse e muitas vezes sem até conhecimento do público por divulgação pífia da CBDA; sistema de resultados on-line totalmente não intuitivo e difícil de manusear; e muitos outros.
Um temor que a comunidade aquática teve por muitos anos era que os Correios, apoiador da CBDA desde 1991, viesse a não renovar seu contrato de patrocínio. Um temor que jamais deveria existir. Após tanto tempo, a entidade se acomodou. Jamais se preocupou em ter outras fontes, e sequer em formar reserva de emergência quando o patrocínio, que uma hora chegaria ao fim, terminasse.
Agora, após o escândalo, os Correios ameaçam rescindir o contrato. Os atletas foram às redes sociais para pedir que o patrocínio continue. Sabem que, sem os Correios, a situação será dificílima. Se houvesse um mínimo de planejamento nos anos anteriores, a CBDA teria como segurar as pontas.
Hoje, a situação é caótica. A seleção brasileira juvenil de natação não pôde ir ao Multinations na Europa e não se sabe como a seleção brasileira será formada para o Mundial de Esportes Aquáticos em julho, na Hungria. E essa é só uma parte dos problemas.
É a consequência de uma política que afeta não só a CBDA, mas todo o esporte nacional. O Fisc Esporte (Relatório Sistêmico de Fiscalização da Função Desporto e Lazer), diagnóstico traçado pelo Tribunal de Contas da União publicado em dezembro último, traz a razão de recursos públicos e privados dentro do esporte: de 2010 a 2014, menos de 2% do montante corresponde a patrocínios privados.
E toda essa situação gera um círculo vicioso. O esporte precisa de dinheiro, mas gere mal seus recursos. Empresas privadas, dessa forma, não querem ligar seus nomes às confederações esportivas, que passam a depender cada vez mais do dinheiro público. E quando ele não vem, o que agora é uma ameaça real no tocante à verba dos Correios, maior empresa estatal de serviços do país, o que vemos é o caos.
Que sirva de lição. Quem sabe da próxima vez que uma diretoria da entidade se mostrar tão desinteressada nos interesses dos atletas, como aconteceu tantas vezes nos últimos anos, que a comunidade se levante e faça algo na prática para mudar a situação. Como não ocorreu em 2010 e em tantas outras ocasiões.
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