Qual o segredo de Katie Ledecky?

Atualizado em 01 de março de 2017
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O que fazer quando você sai de uma Olimpíada com cinco medalhas, sendo quatro de ouro, dois recordes mundiais e aos 19 anos é considerada a maior fundista de todos os tempos? Muitos tirariam longas férias para arejar cabeça e corpo após árduos quatro anos de treinamentos. Mas não Katie Ledecky.

A americana que se consagrou nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro ingressou na Universidade de Stanford após a Olimpíada e não quis saber de descanso.

Resultado: nas competições universitárias, em piscinas de jardas, superou o recorde americano das 1650 jardas livre, em novembro, e na semana passada melhorou a marca nacional nas 500 jardas livre, que já era dela. E impressionou, como de costume: o tempo de 4min25s15 é cinco segundos mais rápido que o de qualquer outra nadadora, e ela tem as nove melhores marcas da história da prova.

O NCAA, principal competição universitária americana, tem suas provas femininas de natação em duas semanas. Esperem mais um show da nadadora, com a promessa de uma batalha épica nas 200 jardas com Simone Manuel, campeã olímpica dos 100m livre, contra quem já vem tendo grandes duelos – o que é um feito e tanto para Ledecky, já que as 200 jardas é praticamente uma prova de velocidade, que exige grande explosão, qualidade que ela vem aprimorando.

A maior da história?

Por tudo que já fez, muitos dizem que Katie Ledecky já é a maior nadadora de todos os tempos.

Talvez a afirmação soe exagerada no momento. Talvez a americana ainda precise de algumas conquistas para se firmar como o maior nome da natação feminina de todos os tempos.

Mas, a julgar pela lista feita pelo jornalista John Lohn no livro They Ruled The Pool: The 100 Greatest Swimmers Of All Time, ela já está muito perto do topo. Lançada em 2013, a publicação coloca, na seguinte ordem, os dez maiores nomes da história: Michael Phelps, Mark Spitz, Tracy Caulkins, Krisztina Egerszegi, Janet Evans, Dawn Fraser, Johnny Weissmuller, Ian Thorpe, Matt Biondi e Shane Gould.

A maioria concorda que os feitos de Ledecky já superam os de Evans, considerada por muito tempo a maior nadadora de longas distâncias da história. Então, na pior das hipóteses, ela só está atrás de Caulkins e Egerszegi entre as mulheres.

Não é para menos. Já são seis medalhas olímpicas, sendo cinco de ouro, aos 19 anos. 13 recordes mundiais batidos. Nove das dez melhores marcas da história dos 400m livre, e os 12 tempos mais rápidos dos 800m livre. Nessa última prova, baixou o recorde mundial em quase dez segundos em quatro anos – para efeito de comparação, foram necessários 30 anos, de 1978 a 2008, para que uma melhora em nível semelhante, de dez segundos e meio, fosse observada. Muitos consideram seu tempo de 8min04s79 um dos mais impressionantes da história.

Katie Ledecky e um de seus quatro ouros olímpicos em 2016 (foto: USA Today Sports)

Katie Ledecky e um de seus quatro ouros olímpicos em 2016 (foto: USA Today Sports)

Muitos perguntam: qual é o segredo de Katie Ledecky?

Michael Phelps, o maior nadador da história, tem flexibilidade acima da média, grande envergadura, centro de massa de seu corpo ideal para a natação, pés grandes – enfim, o corpo perfeito para um nadador.

Não é o que ocorre com Ledecky.

Quando o Comitê Olímpico dos Estados Unidos a fez passar por uma bateria de testes físicos logo após os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, nos quais ela venceu os 800m livre, os resultados, segundo seu treinador Bruce Gemmel, não foram dignos de nota. Gemmel ainda diz que, quando ela começou a nadar, não tinha uma puxada de braçada forte, não tinha um bom ritmo de pernada e não tinha grande sensibilidade na água.

Como ela chegou então onde chegou?

Disciplina, determinação e foco obviamente tiveram papéis fundamentais em sua trajetória. Mas uma técnica de nado livre desenvolvida especialmente de acordo com seu biotipo é responsável por tanta eficiência.

Uma técnica de nado perfeita para suas características

Yuri Suguiyama, seu técnico dos 10 aos 15 anos em Washington, no clube Nation’s Capital, achava o estilo de nado de sua jovem pupila OK, mas nada demais. Ela nadava como uma fundista clássica, braçadas simétricas, respiração bilateral, pernada ritmada com dois movimentos para cada ciclo de braçadas.

Ele percebeu então que, apesar de ela não ter grande envergadura ou flexibilidade, tinha uma qualidade marcante: uma enorme força nos quadris.

“Assistindo ao vídeo dos 200m livre de Michael Phelps no Mundial de Melbourne, em 2007, notei que sua pernada era constante o tempo inteiro. E suas braçadas não eram simétricas. Ele nadava meio “mancando”. Braçada esquerda mais curta, braçada direita mais longa. Respirando o tempo inteiro apenas para um único lado. Pensei, ‘Katie pode fazer isso.’ Podia aproveitar a fúria que ela tinha ao nadar,” diz Suguiyama para essa reportagem.

Katie Ledecky, aos nove anos, pede autógrafo a Michael Phelps (foto: arquivo pessoal/Katie Ledecky)

Katie Ledecky, aos nove anos, pede autógrafo a Michael Phelps (foto: arquivo pessoal/Katie Ledecky)

Para incorporar tal técnica, é preciso ter muita força nos quadris. Uma força que muitos nadadores têm, mas poucas nadadoras possuem.

“Descobrimos que é uma técnica que se aproveita muito da força dos quadris, e com eles consigo um ritmo e uma rotação muito boa do meu corpo. E tenho muita força nos quadris,” diz Ledecky. “Essa técnica me faz aproveitar muito bem essa característica.”

O clichê de que Ledecky nada como um homem é justificado em sua técnica de nado.

Veja o vídeo abaixo com comentários de Suguiyama e Gemmel sobre a técnica da nadadora (em inglês).

Esse é o aspecto técnico. Mas existe outro tão importante destacado por Gemmel.

“Não existe fórmula mágica. Ela não tem uma envergadura grande. Não tem uma excepcional flexibilidade nos pés. Assim como Michael (Phelps), seu grande diferencial está na cabeça. E no coração. O apetite pela competição, o ódio de perder, o desejo pelo desafio. E não apenas o desafio na competição, mas também nos treinamentos.”

Ledecky mostra também um interesse acima da média na evolução de sua natação. Estuda de maneira dedicada suas análises biomecânicas, através de dados e vídeos. É uma obcecada em melhorar o aproveitamento de suas braçadas. Tem os números em sua cabeça de quantas braçadas precisa executar por distância e coloca em prática todos os dias.

Certa vez, um site listou 40 dicas para nadar como Katie Ledecky. Seu treinador Bruce Gemmel compartilhou a matéria no Twitter e acrescentou: “Dica número 41: trabalhe duro. Muito duro.”