A todo momento novos alimentos ou substâncias são apontados como os grandes vilões. O mais popular deles hoje é o glúten, proteína presente no trigo, na aveia, no centeio, na cevada e no malte. O ingrediente tem sido condenado pelos que creditam que eliminá-lo da dieta ajuda não só a perder peso, como também a reduzir o desconforto abdominal e, no caso dos atletas, a melhorar a performance.
Mas de onde surgiu essa história? A adesão à ideia começou, principalmente, após a publicação de um estudo (2011) da Universidade de Monash, na Austrália, comandado pelo gastroenterologista Peter Gibson. A pesquisa abordou a possibilidade de pessoas não portadoras da doença celíaca terem sensibilidade à proteína.
Apesar de ter sido feita com uma pequena amostragem (34 voluntários), a hipótese logo se espalhou, fazendo com que a dieta glúten free conquistasse adeptos no mundo inteiro, incluindo celebridades. Desde então, especialistas têm se dedicado a estudos — alguns contra e outros a favor — para tentar compreender os reais efeitos da substância no organismo, mas sem chegarem ainda a um consenso.
Prisão de ventre, diarreia, gases, estufamento, gastrites, dores de cabeça, hipotireoidismo, dificuldade para ganhar massa magra e até mesmo depressão e distúrbios comportamentais são alguns dos efeitos negativos citados pelos defensores da exclusão do glúten. “Além de não ter nenhuma função nutricional específica, a substância é de difícil digestão, pode causar inflamações no intestino e prejudicar a absorção de outros nutrientes”, afirma a nutricionista funcional Flávia Cyfer.
Mas por mais que as pessoas relatem sentir esses sintomas após comerem um alimento com a proteína, essa tese de que não celíacos podem ter intolerância ainda não foi comprovada. De acordo com Debora Dourado Poli, hepatologista do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, discute-se se os sintomas são causados, na verdade, pela fermentação do trigo ou pelos chamados fodmaps, tipos de carboidrato não digeridos pelos humanos, como a lactose e a frutose.
Além dessas, há muitas outras teorias criadas para entender a origem das reações adversas. Algumas, inclusive, podem ampliar (e muito) a lista de possíveis alimentos causadores dos desconfortos. “É preciso se perguntar, portanto, quem está ganhando com todo esse debate e exposição”, indaga a médica. Calcula-se que o mercado de produtos sem glúten tenha crescido de 20% a 30% por ano no Brasil. Já nos EUA, pesquisas revelaram que 29% da população estava diminuindo ou eliminando a proteína da alimentação e, no Reino Unido, em 10% das casas há alguém que acredita nos malefícios da substância.
“Os estudos que têm aparecido são pequenos e às vezes tendenciosos, para ambos os lados, então prefiro não indicar a dieta se não houver necessidade”, diz a nutricionista Patrícia Cruz. Não que eliminar o glúten possa trazer algum perigo. Para ela, o problema é que a dieta é restritiva e tem custo elevado, pois esses alimentos costumam ser mais caros.
“Muitos pacientes chegam ao meu consultório dizendo que querem aderir à dieta, pois sentem os mesmos sintomas de um celíaco. Contudo, quando vou ver os hábitos alimentares da pessoa, ela não come fibras, não bebe água e tem uma rotina desregrada, o que justifica boa parte dos problemas citados”, afirma Patrícia.
Segundo a nutricionista, a mesma lógicase aplica quando se diz que a dieta glúten free faz emagrecer. “Além de fazer com que o paciente reduza o consumo de carboidratos, a dieta exige que a pessoa preste mais atenção ao que come, ajudando-a a adquirir uma consciência alimentar”.
Para a nutricionista esportiva Liane Schwarz Buchman, mais importante do que cortar um ingrediente é encontrar o equilíbrio nutricional. “Devemos consumir os nutrientes com moderação e de acordo com o nosso gasto energético. Claro que farinha branca em excesso faz mal, porém, vários alimentos que contêm glúten são saudáveis e bons para pessoas não celíacas, como aveia e farinha integral.”
Antes de decidir, então, eliminá-lo do cardápio, é preciso aprender a ler os rótulos. “Como muitos carboidratos possuem glúten, o atleta que adere a essa dieta pode consumir menos fonte de energia do que precisa, prejudicando seu rendimento”, explica. E engana-se quem pensa que alimentos sem glúten são menos calóricos. “Muitos têm menos fibras e até mais carboidratos que as versões com a proteína.”
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