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Pular o café da manhã pode afetar a saúde?

“O café da manhã é a refeição mais importante do dia” é uma afirmativa repetida há décadas por profissionais da nutrição e amadores da saúde – ao ponto de ganhar status de verdade absoluta. Ou será mais um duvidoso mito alimentar?

A grande responsável pela disseminação em massa dessa doutrina seria a nutricionista americana Adelle Davis, ao aconselhar em um de seus livros, nos anos 1950: tome café da manhã como um rei, almoce como um príncipe e jante como um pobretão.

O conselho pegou. Seus partidários ferrenhos afirmam que a refeição matutina inicializa o sistema digestivo, forçando o metabolismo a “arrancar no tranco”, por assim dizer. Isso resultaria numa melhor regulação dos níveis de glicose no sangue, com aumento do desempenho físico em geral.

Mas, como toda verdade absoluta está aí para ser relativizada, pesquisadores de uma universidade britânica recentemente colocaram sob a lupa da ciência os efeitos de consumir ou pular o desjejum. Os resultados possivelmente estragariam o apetite matinal de Adelle Davis.

Fome compensada no almoço
Em primeiro lugar: não faz muito sentido tentar arbitrariamente definir uma refeição específica como “a mais importante”, apontam James Betts, professor de nutrição, metabolismo e estatística, e Enhad Chowdhury, pesquisador associado de atividade física, equilíbrio energético e fisiologia humana, ambos da Universidade de Bath, na Inglaterra.

É sabido que pular o desjejum torna o cérebro mais receptivo a alimentos “saborosos”, levando a pessoa a comer mais no almoço. Estudos realizados em condições reais – com os participantes mantendo sua rotina normal diária – mostram, porém, que nesse caso haverá tendência a uma menor ingestão total de calorias ao longo do dia.

Assim, o jejuador de fato sente mais fome durante a manhã, compensando no almoço, mas sem suplantar inteiramente os efeitos os efeitos da refeição perdida.

Comer também consome energia
Outra questão abordada no estudo publicado no início de fevereiro pelo American Journal of Clinical Nutrition é o suposto efeito do café da manhã sobre o metabolismo.

Comer desencadeia uma série de processos biológicos associados à digestão e ao armazenamento do alimento. O consumo de energia resultante é denominado termogênese induzido pela dieta (TID) – efeito, aliás, mais pronunciado pela manhã do que à noite, como demonstrou um outro estudo recente.

Ou seja: o café da manhã funciona, de fato, como uma espécie de “partida no tranco” para o metabolismo. Porém, o processo não funciona de maneira tão linear como se possa imaginar. Pois a TID é proporcional à quantidade de comida: numa dieta normal, gira em torno de 10% das calorias ingeridas. Quantidades maiores de proteína podem elevar essa percentagem, contudo ela nunca ultrapassa os 15%.

Café com pão ou breakfast à inglesa?
Em sua pesquisa, Betts e Chowdhury procuraram definir os efeitos reais do jejum matutino. Uma constatação clara foi que, por dispor de mais “combustível”, os que tomam café da manhã apresentavam maior resistência para o exercício físico e queimavam mais calorias – sobretudo pela manhã – do que os que haviam pulado a refeição.

Estes últimos tendiam a apresentar a sensação de dispor de menos energia, consequentemente reduzindo seu nível global de atividade física, mesmo sem o perceber, segundo concluíram os cientistas britânicos.

Outra crença popular confrontada pelos pesquisadores de Bath foi a de que aqueles que sistematicamente rejeitam o desjejum estariam condenados a ganhar peso, no longo prazo.

Aqui entra uma questão de definição: o que se entende por “café da manhã”? Um simples café com leite e pão com manteiga – ou capuccino e doce, na versão italiana? Mingau de aveia? Uma banana e uma fatia de pão integral? Ou a variante “natureba”, com frutas, açaí, granola e outros cereais?

Cabe não esquecer o famoso “café colonial” das pousadas, livre para incluir todo tipo de pecado culinário: do pudim de leite, bolo de milho, tortas, sorvetes e frutas em calda, a pães e queijos variados, patês e empadões. E o que dizer do breakfast inglês que, em sua versão mais radicalmente tradicional, envolve ovos estrelados, bacon, salsichas, chá preto, pão frito na banha, batatas, feijão em lata e – acredite quem quiser – até rins?

Afinal: sim ou não?
Os cientistas da Universidade de Bath reconhecem a relevância do conteúdo do café da manhã, ressaltando que ainda está sob análise a forma como os diferentes tipos de café da manhã afetam o corpo humano. Por outro lado, diversos experimentos em indivíduos escolhidos ao acaso não apontaram qualquer relação direta entre um aumento de peso e a ingestão ou não do desjejum.

Eles deduzem que a opção a favor da refeição estaria comumente associada a um estilo de vida, no geral, mais saudável, resultando em peso corporal equilibrado, entre outras características. Tomar café da manhã igualmente aumenta a probabilidade de que determinados nutrientes sejam consumidos nas proporções recomendadas, resultando numa disposição mais saudável.

Optar pela alimentação matinal teria ainda a vantagem de auxiliar o corpo a regular a concentração de açúcar no sangue, prosseguem Betts e Chowdhury. Em contrapartida, os portadores de diabetes 2 que a dispensam tendem a apresentar níveis mais altos de glicose após as refeições.

Afinal, café da manhã: sim ou não? Escrevendo para o site de jornalismo científico The Conversation, os dois acadêmicos britânicos ficaram devendo uma resposta definitiva.

“A sabedoria popular predominante sugere que, sim, se deveria tomar café da manhã. Mas o atual estado dos indícios científicos conclui que, infelizmente, a resposta simples é: Não sei. Depende. Quer você seja um consumidor de desjejum religioso ou um renunciador empedernido, tenha em mente que ambos os lados podem ter algum mérito, e que a resposta provavelmente não é tão simples o têm feito acreditar.”

Matéria publicada no site Circuito MT

Redação

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