por Dalton Cabral
_____________
Eduardo ama treinar… Ou pelo menos, amava.
Nunca existiu uma ordem de grandeza sentimental entre a água, as rodas, ou o tênis. Nunca houve uma preferência.
De um tempo para cá, entretanto, algo dentro dele mudou.
Eduardo está sentindo certa “preguiça”, para acordar cedo.
Passou então alguns treinos para a parte da tarde, e a preguiça só aumentou.
Na véspera de treinos importantes, sente uma estranha ansiedade durante a noite, que lhe priva do sono e dos sonhos.
Mais do que isso, percebeu que o desenvolvimento já não era tão constante assim. Pelo contrário, acreditava até que estava regredindo.
Naquela segunda-feira, o despertador tocou precisamente às cinco da manhã. Abriu apenas um dos olhos, viu a escuridão que ainda não proclamava o dia e resolveu dormir mais quinze minutos.
Depois dos supostos minutos adicionais, seus olhos abriram tão rápido quanto o pulo que deu para sair da cama.
Já passava das oito horas. Até o seu estômago, com fome, reclamava do horário tão tardio.
Eduardo foi então direto para o trabalho e decidiu, pela terceira semana consecutiva, prorrogar o treino de corrida para o final do dia.
Ao chegar no escritório, colegas o receberam com perguntas e brincadeiras em alusão ao “superatleta”.
– E aí? Já foram quantos quilômetros hoje? Uns cem? – Brincou o seu chefe, antes mesmo de dar bom dia.
Constrangido pelo treino perdido, preferiu falar aquilo que eles esperavam ouvir:
– Não! Hoje foi dia de corrida. Foram apenas oito quilômetros, para começar a semana.
– Se tivesse que correr oito quilômetros, pegaria um taxi – Respondeu um dos colegas, como se nunca tivesse contado essa piada… Eduardo sorriu, como se nunca tivesse escutado.
Ao final do dia, entrou em seu carro e partiu em direção à sua residência. O trajeto levaria uns vinte minutos. Planejava outros quinze ou vinte para trocar de roupa e sair para correr.
– Quarenta minutos, não mais do que isso! – Ele pensou em voz alta.
Ainda dentro do carro, porém, seus batimentos começaram a subir. Sentiu-se indisposto… Sentiu preguiça novamente.
Pensou em parar em uma padaria, que fica no trajeto entre o trabalho e a sua casa. Sentiu vontade de comer algo diferente, com o intuito de reanimar a cabeça e, quem sabe, a vontade de treinar.
Essa é uma experiência nova para ele. Sistemático ao extremo, conta nos dedos os treinos perdidos nos últimos anos. Faltarão dedos, entretanto, caso continue com essa indisposição.
Eduardo é um bem sucedido publicitário. Fez uso das mesmas ferramentas de gestão dentro do esporte e atingiu conquistas significativas como atleta amador.
Antes que perdesse a saída da rodovia, entrou à direita e resolveu parar na padaria. Estacionou o carro com calma e ainda antes de desligar a ignição, avistou um rosto conhecido, sentado em uma das mesas externas do estabelecimento.
Eduardo deu “bom dia” ao rosto conhecido. Entrou e pediu um pão francês com queijo e peito de peru.
– Sem manteiga, por favor – Disse ao atendente.
– Aqui está senhor, sem manteiga, do jeito que o patrão pediu!
– Obrigado – Respondeu, enquanto pegava o prato, alguns guardanapos e uma água.
Eduardo foi para a área externa, na esperança de trocar algumas palavras com aquele rosto conhecido. Tratava-se de João Pedro, uma verdadeira lenda no universo do triathlon amador da região.
Enquanto puxava a cadeira da mesa ao lado e posicionava o prato sobre a mesma, ouviu um convite mais do que previsto:
– Ué, senta aqui! Você treina com o Marcão, correto? Vocês que ficam em grupo na rodovia, todo sábado… Não é?
Agradeceu o convite em dividir a mesa e confirmou a suspeita de João Pedro.
– E como foi o seu treino hoje? – Perguntou um ansioso “aprendiz”, com a “boca cheia”, logo após morder o sanduíche.
– Treino? Hoje não treinei – Respondeu João, para o espanto de Eduardo – E você, treinou?
– Simplesmente não acordei. Estava muito cansado… Aliás, ainda estou. Deveria estar treinando agora… Sei lá, estou perdido.
– Perdido? – Perguntou João Pedro, tomando um gole da sua xícara.
– Sim, perdido.
Entre o final daquele sanduíche, e alguns goles de café, Eduardo expôs o que vem sentindo nos últimos meses. Falou sobre a falta de vontade, os treinos postergados.
– Eduardo… Chamam-te de Edu, né? – Perguntou João, refletindo sobre tudo o que ouviu.
– É… Edu é um apelido da época de colégio. Confesso que nunca gostei muito, mas acabei acostumando.
– Então, Eduardo! Você é feliz?
– Sim, sou! – Prontamente respondeu – Tenho um ótimo trabalho, uma namorada perfeita, carro, os meus treinos…
João balançou a mão direita, pedindo para que o jovem e cansado atleta parasse de falar. Tomou um pouco do seu café, e disse:
– Não, você não entendeu a minha pergunta. Não perguntei o que você possui. Simplesmente perguntei se você é feliz.
Percebendo o silêncio de Eduardo, continuou:
– Vou facilitar as coisas para você… Só um segundo! – João fez um sinal para o atendente da padaria. Com o polegar e o indicador fez um formato redondo, e com a boca disse, pausadamente – Mais um pão de queijo!
– Desculpe, é que esse pão de queijo daqui é maravilhoso, você precisa provar… Mas, voltando ao nosso assunto, você se sente feliz quando treina? Quando compete? Responda com a primeira palavra que vier na sua cabeça.
– Não! Quero dizer… Por vezes, sim. Na maioria, talvez não.
João Pedro coçou a cabeça. Permaneceu alguns segundos calado, enquanto o pão de queijo era servido à mesa. Pegou o alimento com as mãos e ofereceu para Eduardo, dizendo:
– Coma… Apenas coma! E não venha dizer que está de dieta.
Eduardo tomou o pão de queijo de suas mãos e provou um pedaço. Quase que instintivamente, engoliu o restante.
João Pedro deu uma boa gargalhada e disse:
– Isso é felicidade! É energia! É como um contraste! Como o frio e o calor. Como uma notícia boa, logo após uma ruim.
Eduardo, que há meses não comia um pão de queijo, apenas sorriu. João, então, continuou:
– Se você comprar um carro novo… Sim! Podemos chamar o que você sentirá de “felicidade”. Mas apenas até o momento em que isso suprir o seu desejo pelo novo, de satisfazer o seu ego etc. Entretanto, se a sua felicidade for pautada pelo consumismo, em seguida, terá que comprar uma moto, uma casa, um barco… E depois? Um avião?
– A felicidade não parece ser um estado permanente, ou um “fim” por si só. Ela precisa ser construída e exercitada todos os dias… Ela é o caminho e não o ponto de chegada.
Eduardo terminou de comer o pão de queijo e perguntou:
– Você está dizendo que felicidade é “comer um pão de queijo”?
– Lógico que não! – Respondeu João, soltando um sorriso.
– A felicidade, é comer “um pão de queijo” que há anos você não saboreava. É dar um abraço em um parente, que há anos você não via… E ver o sorriso do seu filho todos os dias.
– Felicidade, também é pedalar com os amigos, depois de passar a semana sem vê-los. É realizar novas experiências… Transpor desafios, antes julgados inatingíveis.
Felicidade é o que você sente segundos, dias ou semanas após cada realização, após cada experiência. O problema é que isso passa… E precisa ser renovado, sempre.
Eduardo ficou pensativo. Calado por quase vinte segundos, apenas a observar a xícara sobre a mesa. Olhou então para o novo amigo e disse:
– Se felicidade é essa troca constante de energia e experiências… – Pausou novamente sua fala e olhou para o horizonte – Acho que passei longe de tudo isso nos últimos anos.
João Pedro balançou a cabeça e disse:
– Você está exaurido. Dá para ver no seu rosto. Sabe, é por isso que venho nesse café quase toda segunda-feira. Por vezes, em outros dias da semana também.
Tento esfriar, para depois sentir o calor. Afinal, não há comida sem fome! Assim como não há vontade de treinar, sem o devido descanso.
João Pedro se esticou na cadeira, espreguiçando. Colocou as duas mãos sobre a cabeça e perguntou:
– Amanhã de tardinha, o que você vai fazer?
– Tenho que pedalar… Já nem sei. Talvez “pagar” o treino de corrida perdido de hoje.
João Pedro levantou da mesa. Estendeu a mão para Eduardo e falou:
– Preciso ir embora. Amanhã, neste mesmo horário, comeremos pão de queijo com café. Depois vamos para uma estradinha nova que descobri há alguns meses. Tem pouco movimento, portanto, segura. Cheia de pequenos sítios pelo caminho.
João Pedro, então, se foi… Foi para casa.
Lá, adentrou em seu pequeno apartamento. Sozinho, ligou a televisão para disfarçar o silêncio da sua solidão. Em seguida, pegou a sacola que continha alguns outros pães de queijo, que comprou “para viagem”.
Sentou no sofá, abriu a sacola, colocou o primeiro pão de queijo na boca e sentiu aquele prazer salgado, crocante, derretendo em seus dentes. Ao mesmo tempo, lembrou-se do bem que fez ao novo amigo… Talvez o único.
João Pedro sorriu… E pensou:
“Estou feliz”.
Leia também > Crônicas do Triathlon: o Fenômeno, por Dalton Cabral
____________
Dalton Cabral é empresário da construção civil em Manaus/AM e, nas horas vagas, se aventura nos treinos de Triathlon.
A cidade de São Paulo foi palco no sábado, dia 9 de julho, do MOV…
A cidade de São Paulo foi palco no domingo, dia 10 de julho, da Eco…
Saiba como você pode melhorar (ainda mais) o seu tempo na meia-maratona
A cidade de São Paulo será palco no dia 10 de julho da Eco Run,…
A Eco Run chegou a Salvador no último domingo, dia 3 de julho, com a…
A Up Night Run é mais do que uma corrida, é a proposta de uma…