O Ironman Havaí, o grande sonho do triathlon, completa 38 anos em 2016. O que começou como um desafio em uma mesa de um clube no Havaí se tornou um evento que hoje reúne mais de 2.000 atletas do mundo inteiro, além de apoiadores, admiradores e imprensa. No mês de outubro, todos os apaixonados pelo triathlon voltam os olhos para a ilha de Kona, a maior do arquipélago havaiano, para saber quem serão os próximos Homem e Mulher de Ferro.
A primeira edição do Ironman Havaí aconteceu em fevereiro de 1978, mas foi idealizada um ano antes. Entusiastas do esporte e de competições, o comandante da Marinha Norte-americana John Collins e sua esposa Judy conversavam em uma confraternização com amigos e companheiros das Forças Armadas sobre uma matéria da Revista Sports Illustrated que indicava o ciclista Eddy Merckx como o melhor atleta do mundo nos quesitos forma e preparo físico.
Eles então entraram em uma discussão sobre quem seria o mais resistente: o nadador, o ciclista ou o corredor? Como o debate começou a fluir, Collins então brincou com a ideia de combinar as três mais duras provas de resistência praticadas no Havaí em apenas uma competição. Seria possível alguém completar os 3.800 metros de natação da tradicional Waikiki Rough Water Swim, seguir para 180 Km de ciclismo da famosa Around the Island Bike Race (realizada originalmente em dois dias) e terminar com 42,2 Km na maratona de Honolulu?
O desafio foi lançado e no dia da prova apenas 18 competidores apareceram, sendo que 3 desistiram ainda no início e outros 3 não conseguiram concluir o trajeto. Relatos afirmam que Collins distribuiu três folhas de papel descrevendo o percurso e com algumas regras, e na última página estava escrito à mão: “Nade 3.800 metros! Pedale 180 km! Corra 42,2 km! Vanglorie-se pelo resto da sua vida!”
Collins e outros 11 corajosos completaram a prova sem imaginar que naquele momento estavam escrevendo uma página importante do esporte mundial, que em poucos anos iria se difundir pelo mundo inteiro e conquistar milhões de adeptos. O primeiro Homem de Ferro da história foi Gordon Haller, um motorista de táxi aposentado como Especialista em Comunicações da Marinha Norte-americana, que concluiu o percurso em 11 horas, 46 minutos e 58 segundos. Collins completou a prova em, cerca de, 17 horas.
Em 1979, a competição foi prejudicada pelo mau tempo, mas ainda assim foi uma edição importante para a difusão do Triathlon e do Ironman Havaí. Naquele ano, o repórter da Sports Illustrated Barry McDermott estava na ilha cobrindo um torneio de Golf e acabou escrevendo uma matéria de 10 páginas para a revista sobre a competição. Dos 15 atletas participantes, a ciclista Lyn Lemaire foi a primeira mulher a aceitar o desafio e como primeira Ironwoman da história, apresentou um grande desempenho ao se manter na segunda colocação durante boa parte do percurso. Lemaire acabou em 5º lugar na classificação geral, com o tempo de 12:55:38. O californiano Tom Warren foi o vencedor com 11:15:46.
A exposição trazida pela publicação da Sports Illustrated fez com que a emissora ABC pedisse à Collins autorização para gravar cenas do Ironman em 1980, no programa “Wide World of Sports”. Com a presença da imprensa no evento, o número de competidores subiu para 106 atletas homens e duas mulheres. Dave Scott, de 26 anos, venceu a prova em 9:24:33, e a vencedora da categoria feminina, Robin Beck, ficou na 12ª colocação geral, com o tempo de 11:21:24.
A partir de então, o Ironman Havaí já começava a se destacar no cenário esportivo. Em 1981, a prova mudou da agitada Oahu para a tranquila Big Island, em Kona, onde é realizada até hoje. O Ironman tornou-se a referência em esporte de alta resistência. Foi nesta edição que aconteceu uma das cenas mais famosas do Triathlon mundial protagonizada pela estudante universitária Julie Moss.
O fato de ter trabalhado como salva-vidas ajudou a atleta a se manter na dianteira da natação, seguindo para um pedal forte e abrindo uma grande liderança na maratona. Mas diante de tanto esforço, Moss começou a sentir o peso da prova nos quilômetros finais. Quando estava quase se consagrando vencedora, foi ultrapassada por Kathleen McCartney na menor margem de vitória da história do Ironman Havaí: apenas 29 segundos. Moss lutou contra a fadiga extrema e a desidratação nos últimos 100 metros, caindo e levantando, até que começou a rastejar para alcançar a linha final, protagonizando assim uma das cenas mais incríveis de superação no esporte.
O vencedor da prova foi Scott Tinley, com o tempo de 9:19:41 e Walt Atack, de 73 anos, bateu o recorde de maior tempo ao levar 26 horas e 20 minutos para completar o percurso.
Em 1982, após a realização do evento em fevereiro, a organização resolveu repeti-lo em outubro. A partir de então, este foi eleito o mês do Ironman Havaí para que os atletas de países onde o clima é mais frio pudessem se adaptar melhor às condições de Kona. Também foi introduzido o tempo máximo de prova de 18 horas. Dave Scott venceu a edição com o recorde de natação (50:52) e de tempo geral (9:08:23)
E desde então, Scott não parou de surpreender. Em 1983, ele bateu o seu próprio recorde, concluindo a prova em 9:05:57. A canadense Sylviane Puntous venceu a categoria feminina e também bateu o recorde de prova em 10:43:36. Nesta mesma edição, foram definidos os critérios de qualificação e o tempo máximo de prova foi reduzido para 17 horas.
A edição de 1984 foi histórica e recheada de recordes. Scott seguiu surpreendendo ao quebrar a barreira das 9 horas de prova (8:54:20). Sylviane Puntous também venceu novamente, batendo seu próprio recorde (10:25:13), assim como o Iroman Havaí também quebrava recorde de participantes, passando pela primeira vez de 1.000 atletas.
Scott Tinley reduziu o tempo da prova masculina em 1985 para 8:50:54 e foi o primeiro competidor a usar aerobars. Scott voltaria ao primeiro lugar do pódio no ano seguinte, em 1986, quebrando a marca de 2:50 na maratona e vencendo em 8:28:37. Paula Newby-Fraser, do Zimbábue, emplacou o novo recorde feminino em 9:49:14.
Scott alcançou o seu sexto título no Havaí em 1987, com o tempo de 8:34:13, e Erin Baker venceu com o recorde de 9:35:25. Paula Newby-Fraser voltou ao pódio em 1988 como a primeira mulher a quebrar a marca das 5 horas de ciclismo.
A final do Ironman Havaí em 1989 trouxe emoção com a disputa palmo a palmo na famosa “IronWar” entre Dave Scott e Mark Allen, que acelerou nos metros finais e venceu por apenas 58 segundos. Entre as mulheres, por apenas 56 segundos Newby-Fraser não conseguiu ser a primeira a quebrar a marca das 9 horas.
Os anos 90
Em 1990, foi criada a World Triathlon Corporation com a compra da marca Ironman pelo triatleta veterano Jim Gills. Com isso, o percurso foi alterado para a parte sul da Alii Drive e ao longo da Natural Energy Lab of Hawaii Road. No ano seguinte, a prova teria novo recorde de participantes, alcançando 1.312 atletas.
Em 1992, Mark Allen venceu pela quarta vez consecutiva e bateu mais uma vez o recorde (08:09:08), enquanto Paula Newby-Fraser finalmente quebrou a barreira das 9 horas na competição feminina, com 8:55:28.
Mark Allen se consagrou pentacampeão em 1993 e Paula Newby-Fraser se igualou a Dave Scott em seis títulos, até ultrapassá-lo no ano seguinte. Em 1994, o australiano Greg Welch venceu e Jon Franks se tornou o primeiro competidor cadeirante da história do Triathlon. Allen retornou ao pódio em 1995 após um ano afastado da competição e Karen Smyers quebrou a sequência de vitórias de Newby-Fraser.
Em 1996, o belga Luc Van Lierde foi o primeiro europeu a vencer o Ironman Havaí e a atleta Newby-Fraser voltou mais uma vez ao pódio. Van Lierde marcou 8:04:08, recorde que durou até 2011. Em 1997, foram abertas as categorias de paratritletas e o mundo assistiu, pela primeira vez, um superciclista vencer na Grande Ilha: Thomas Hellriegel (ALE) foi o campeão do pódio 100% alemão, que contou ainda com Jurgen Zack e Lothar Leder.
Nas comemorações dos 20 anos do Ironman Havaí, em 1998, o fundador John Collins retornou ao campo de competição e terminou o percurso em 16:30:02, junto com o primeiro Ironman da história, Gordon Haller, que terminou em 14:27:01. Participaram outros 6 dos 15 primeiros atletas de 1978.
A canadense Lori Bowden quebrou o recorde da maratona em 1999, finalizando a etapa em 2:59:16. Luc Van Lierde venceu a prova masculina (8:17:17) e Lyn Brooks se tornou a primeira atleta a concluir o 20º Mundial de Ironman consecutivo. No ano de 2000, o vento e as condições climáticas prejudicaram a competição, fazendo com que alguns atletas sequer desmontassem da bike. Peter Reid (8:21:01) e Natascha Badmann (9:26:17) conquistaram seus segundo título.
Os anos 2000
Em 2001, apenas três semanas depois dos atentados de 11 de setembro, o americano Tim DeBoom venceu a prova (8:31:18) e acabou repetindo o feito no ano seguinte (8:29:56), junto com Natascha Badmann (9:07:54). Peter Reid venceu em 2003 (8:22:35). Lori Bowden conquistou sei bicampeonato naquele ano.
2004 foi o ano de mais um superciclista alemã entrar para história. Normann Stadler conquistou seu primeiro título com o recorde do pedal, enquanto Badmann conquistava seu quinto troféu. Já em 2005, Faris Al-Sultan foi o terceiro alemão a vencer no Havaí (8:14:17). Robert McKeague, de 80 anos, foi o atleta mais velho a cruzar a linha final do Ironman (16:21:55) e Sarah Reinertsen a primeira mulher amputada a concluir a prova (15:05:12). Naquele ano, Natascha Badmann conquistou seu sexto e último título.
Em 2006, Normann Stadler venceu com o novo recorde de bike (4:18:23) e subiu ao pódio junto com Michellie Jones (9:18:31), atleta olímpica. Foi a última vez que um alemão subiu no degrau mais alto do pódio, até hoje. No ano seguinte, wm sua sétima participação no Mundial de Ironman, Chris McCormack (AUS) finalmente venceu (8:15:34) no mesmo ano em que Chrissie Wellington fez a segunda melhor maratona feminina da história da prova, competindo há menos de 1 ano na elite, e vencendo em 9:08:45. Estava inaugurado o império dos súditos da rainha na Grande Ilha.
Após o vice-campeonato em sua estreia, em 2007, Craig Alexander (AUS) apareceu em 2008 para levar o título (8:17:45) e Chrissie Wellington bateu mais um recorde na maratona, vencendo em 9:06:23. Os dois se mantiveram no pódio em 2009. No ano seguinte, Mirinda Carfrae (8:58:36) conquistou o título junto com McCormack (8:10:37), transformando o pódio em uma grande festa australiana. Em 2011, Craig Alexander (08:03:56) e Chrissie Wellington (08:55:08) retornaram para os holofotes. Em 2012, mais vitórias do império britânico, o australiano Pete Jacobs (08:18:37) e britânica Leanda Cave (09:15:54) ficaram com os títulos mundiais de Ironman. Em 2013, conquista de Frederick Van Lierde (BEL) e novo recorde do percurso, conquistado pela campeã, Mirinda Carfrae. Dia histórico também para o Brasil. Igor Amorelli cravou o melhor tempo da história entre os representantes nacionais, 8:34:59, que lhe rendeu ainda a 13ª colocação.
O ano de 2014 foi de domínio alemão no masculino. Sebastian Kienle venceu e convenceu, com uma combinação corrida e ciclismo arrasadora. Em uma prova surpreendente, o norte-americano Ben Hoffman fez a prova de sua vida para ficar com a segunda colocação. Em terceiro lugar, o favorito para 2015, o campeão Jan Frodeno. Após dois pneus furados e uma penalização, ele ainda correu para o terceiro lugar. No feminino, a favorita de 2015, Daniela Ryf (SUI) liderou a prova até o km37, quando foi ultrapassada pela rainha Mirinda Carfrae. Rinny tirou 15 minutos de diferença com uma corrida absolutamente incrível. Em terceiro lugar, a britânica Rachel Joyce.
2015 marcou o ano que, pela primeira vez, um campeão olímpico sagrou-se campeão mundial de Ironman e Ironman 70.3, esses dois últimos no mesmo ano. O alemão Jan Frodeno foi a força dominante, sem ser ameaçado durante a maratona. A surpresa do dia foi o veterano Andreas Raelert (ALE), que voltou ao segundo lugar em um dia inspirado. Para completo delírio da torcida americana, Tim O’Donnell, a grande esperança local, foi o terceiro colocado. O Brasil teve um dia difícil entre os profissionais. Guilherme Manocchio foi 26º, seguido de Igor Amorelli em 33º. No feminino, a suíça Daniela Ryf teve a mesma trajetória de Frodeno, vencendo os mundiais de 70.3 e Ironman. Ela deixou a britânica Rachel Joyce mais uma vez na segunda colocação e a australiana Liz Blatchford em 3ª. Ariane Monticeli, com uma lesão, lutou até o fim e cruzou a linha na 25ª colocação. A recordista Mirinda Carfrae abandonou no ciclismo, mas prometeu recuperar seu título em 2016.
Pisar na ilha de Kona é um sonho para muitos atletas. Mais do que sucesso de público e referência no cenário esportivo mundial, o Ironman Havaí traz confrontos emocionantes entre triatletas de elite que competem no mesmo solo, ao mesmo tempo em que outros triatletas nos emocionam com exemplos de superação e motivação. Assim, a cada ano, aumenta a expectativa pela chegada do mês de outubro, quando uma nova luta acontecerá e novos homens e mulheres de ferro subirão ao pódio, dando continuidade ao legado iniciado pelo visionário John Collins e mais 15 homens corajosos que em 1978 aceitaram o desafio e deram o primeiro passo desta grande história, que continua em 2016.
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