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O dia em que conduzi a chama olímpica

por Rafael Farnezi

Sobre as Olimpíadas, nem é preciso falar muito, sabemos que é o maior e mais apaixonante evento esportivo do planeta. São dias em que os olhos do mundo inteiro se voltam para um único lugar e seus corações aceleram a cada instante, cada largada, cada início de partida, cada chegada ou ponto marcado. Todos os cantos do mundo estarão na torcida por seu país, por seus atletas, por suas equipes, mas muito além disso, estarão muito atentos para ver o impossível tornar-se possível por aqueles que independente de sua nacionalidade, estão ali quase que com o status de super humanos, prontos para fazerem história.

E é justamente todo esse simbolismo que envolve uma olimpíada que faz com que o sonho de participar dela esteja constantemente presente em todos aqueles que são envolvidos com o esporte, independente qual seja ele. Para qualquer atleta que oferece diariamente o seu suor para alcançar um melhor desempenho e conquistar o direito de participar deste evento é uma grande honra.

Diante de todo sentimento universal que contagia e envolve as pessoas, um grande símbolo dos Jogos Olímpicos foi criado, o fogo olímpico, para celebrar o início dos jogos. A cada edição, o fogo é aceso na Grécia, berço dos Jogos Olímpicos modernos, e a partir daí ele inicia uma longa viagem até o local da cerimônia de abertura dos jogos, onde a Pira Olímpica é acesa e marca o início oficial das Olimpíadas.

©Arquivo pessoal

Durante toda essa longa jornada, o fogo atravessa fronteiras, continentes e oceanos. Durante esse trajeto, várias pessoas são agraciadas com a honra de conduzi-lo por esse caminho, até seu destino final. Pessoas essas que podem sentir na pele a emoção de estar direta ou indiretamente em contato com o verdadeiro espírito olímpico.

A expectativa de conduzir a Tocha Olímpica

Quero contar sobre a minha experiência de ser um dos escolhidos a conduzir o maior e mais significante símbolo das olímpiadas, a chama olímpica.

Lembro bem que quando minha cidade, Uberlândia, foi incluída na rota do revezamento da tocha olímpica, eu senti uma pontinha de esperança de ser lembrado, por ser atleta e sempre carregar o nome da cidade para as competições que participo, tanto no Brasil quanto em outros países, e quem sabe ser convidado para ser um dos condutores da tocha.

Mas também me lembro bem que, quase que instantaneamente, pensei ser algo muito além do que os meus braços poderiam alcançar. Independente disso, o sonho se manteve vivo e continuei pensando em poder viver tal experiência, pois não tinha dúvida que seria uma das mais marcantes e significantes que eu poderia vivenciar.

À medida em que o tempo passava e a data da passagem da tocha pela cidade se aproximava, eu escutava com maior frequência perguntas de conhecidos sobre quem seriam os condutores e se eu seria um deles. Quem me conhece sabe muito bem que eu adoraria de ser um deles, mas eu sempre respondia que não sabia como seria a escolha.

A surpresa veio quando algumas pessoas envolvidas com a organização do revezamento me ligaram para perguntar se eu gostaria de participar, pois eles iriam sugerir alguns nomes para o COI (Comitê Olímpico Internacional) e gostariam de indicar o meu nome para ser um dos possíveis condutores. Foi então que senti um arrepio e apenas respondi, “Tem alguma dúvida de qual é minha resposta sobre se eu gostaria de participar?”. Eu confirmei e aí comecei a acreditar que aquele sonho distante poderia se realizar.

Com o passar dos dias, mais telefonemas de outras pessoas que lembravam de mim e diziam que eu seria sim um condutor. Aos poucos, o sonho estava se concretizando e eu me envolvendo cada vez mais com aquele momento até então abstrato. Até que finalmente chegou o dia em que fui à sede da FUTEL (Fundação Uberlandense de Turismo, Esporte e Lazer) para assinar um documento que confirmava de vez a minha participação no revezamento da tocha olímpica.

Eu seria um entre os mais de 12mil condutores da chama olímpica pelo Brasil. Um privilégio imenso, pois apesar de parecerem muitos, na verdade, quando paro para pensar que o país tem mais de 200 milhões de habitantes e que boa parte dessas pessoas dariam tudo para também fazer parte disso, é que percebo o quão honrado eu fui em estar entre os escolhidos. Claro que se eu tivesse o poder de escolher pessoas merecedoras de também estarem ali, eu citaria uma infinidade de nomes, pessoas que tem a vida totalmente envolvida com o esporte e para o esporte, atletas, ex-atletas, treinadores, ex-treinadores etc..

Confesso que não deixei a ansiedade crescer e deixei as coisas acontecerem naturalmente, mas no dia do revezamento, assistindo aos jornais locais que estavam completamente envolvidos com esse momento, é que senti de verdade o que estava prestes a viver. Reportagens emocionantes com pessoas que haviam conduzido a tocha em outros momentos, cenas contando alguns momentos históricos das Olimpíadas, foi quando os olhos marejaram de lágrimas e me segurei para não chorar… pelo menos ainda não.

É chegado o grande dia!

A previsão de horário para eu receber a chama olímpica era de 17:32, mas todos os condutores deveriam estar no ponto de encontro marcado previamente às 15:30. Obediente e pontual como sempre fui, no horário marcado lá estava eu, prestes a viver um dos maiores (se não mais) marcante episódio da minha vida.

Em uma sala com os outros condutores, recebemos os uniformes, uma camiseta e uma bermuda que iriamos usar durante o revezamento. Recebemos ali instruções de como deveríamos nos portar durante o revezamento, qual seria especificamente o trecho que conduziríamos a tocha e o momento ápice e mais aguardado, receber em mãos a tocha olímpica em que conduziríamos o fogo olímpico. Cada um portando um número e cada tocha carregando esse respectivo número, tocha essa que seria utilizada apenas naquele momento, apenas por aquele condutor específico, somente ele a teria acesa em suas próprias mãos.

Terminada as instruções e já sabendo como funcionava todo sistema de abertura e acendimento da tocha, fui encaminhado para meu local. Foi aí que vieram ainda mais surpresas (confesso que escrevendo esse relato, é aqui que começo a me emocionar novamente, relembrando cada instante desse momento para poder descreve-lo).

O revezamento começou dentro de um grande ginásio chamado “Sabiazinho”, o principal e maior ginásio da cidade. A primeira pessoa na verdade não foi uma, mas duas: mãe e filho. Duas pessoas que poderiam, sim, ser apenas uma de tão unidos que são, ela a Karolina Cordeiro, corredora que participa de corridas de rua empurrando ele, o Pedro, seu filho que possui uma raríssima síndrome que faz com que ele não tenha o controle total de seus músculos.

E aí estava a primeira surpresa, eu seria o primeiro a receber a chama logo que ela saísse do Sabiazinho, não bastando a honra de começar o revezamento, eu receberia o fogo das mãos de uma grande amiga, uma pessoa que tenho uma tremenda admiração, por toda sua luta e belíssima história como mãe e como pessoa. Vale lembrar que tenho muito orgulho desses dois e que a Karol e o Pedro começaram a dar seus primeiros passos nas corridas de rua comigo, assim, não podia ser mais bonito e emocionante dividir esse momento com alguém tão especial.

Enquanto a esperava, já estava posicionado no ponto onde começava meu trecho junto com minha família, até que um dos integrantes da equipe organizadora do revezamento veio me perguntar onde extava minha bike, pois eu iria conduzir a tocha sobre duas rodas, isso me pegou desprevenido, pois não fui avisado sobre essa possibilidade e não estava com minha bike naquele instante, e como eu iria de bike, o trecho reservado para mim foi bem maior do que dos demais, em vez de apenas 200 metros, eu tinha pela frente 1km com a tocha em minhas mãos, estava aí mais uma surpresa.

Para deixar esse momento ainda mais marcante e emocionante, veio mais uma surpresa, centenas de ciclistas da cidade se posicionaram com suas bicicletas dos dois lados da avenida por onde eu iria passar e fizeram um belíssimo corredor para eu poder passar com a tocha em mãos.

Foi então que chegou a hora, avistei o fogo de longe, já era noite, seu brilho e sua cor eram impressionantes. Centenas de pessoas acompanhando a Karol e o Pedro que o conduziam o fogo até mim. Eu via inúmeros fotógrafos registrando algo único. E à medida em que o fogo se aproximava de mim, os aplausos e gritos só aumentavam.

Minhas pernas nesse instante tremiam e eu sinceramente não sabia mais onde estava, parecia estar flutuando, sem muito controle das minha emoções e sensações, até que fui em direção a Karol e foi quando a emoção tomou conta, olhos marejados de lágrimas, querendo chorar e ao mesmo tempo querendo sorrir. Fiz todo o processo de abertura da tocha e enfim a chama estava em minhas mãos, estava sobre meu comando. Abracei a Karol, abaixei e dei um beijo no rosto do Pedro que apenas olhava tudo aquilo que acontecia à sua volta com o sorriso mais expressivo que uma pessoa pode ter e então olhei para frente e dei meus primeiros passos.

Os gritos e aplausos das pessoas eram incessantes, e ao chegar no corredor formado por todos aqueles ciclistas, eles levantaram a roda dianteira de suas bicicletas e as apontaram para o céu, reverenciando a passagem da tocha e tornando aquele momento simplesmente inesquecível não só para mim, mas para todos que ali estavam.

Queria eu apenas andar, andar muito lentamente por todo esse 1km que tinha pela frente, queria eu não saber nem correr para que demorasse muito tempo com a tocha em minhas mãos, queria eu, na verdade, ter o poder de parar o tempo e ficar vivendo aquela sensação fantástica.

Entre corrida e caminhada eu não conseguia fazer outra coisa a não ser ficar olhando e admirando as cores e a intensidade do fogo que parecia dançar com o vento. Durante o longo percurso, mas ao mesmo tempo muito curto quilômetro, mal olhei para frente e depois que passou, bem depois mesmo é que fui pensar, “Nossa, nem olhei onde estava pisando, imagina o risco que corri de levar um tombo, que vexame teria sido (risos).”

Depois que tudo passou, depois que sentei dentro do ônibus que transportava os condutores e seguia acompanhando todo o comboio do revezamento, um sorriso interminável ficava no rosto de cada um que estava ali vivendo aquele momento, aquele sorriso congelado, e por alguns instantes, todos ficavam olhando tudo aquilo à sua volta em um breve silêncio, talvez tentando entender o que acabara de vivenciar, sensações essas que ninguém conseguiria se preparar para um dia viver.

Certamente, essa experiência foi para mim uma das mais marcantes de toda minha vida. O significado de ter passado por isso é tão grandioso, que quando eu fechar meus olhos e relembrar esse dia, com certeza, sentirei toda a emoção que senti naquele instante, para o resto de minha vida.

Sou muito grato por todos que estiveram ali dividindo esse momento comigo, se emocionando comigo e claro, grato a todos que queriam que ali eu estivesse. Foi inesquecível e sempre será impossível expressar com palavras o quão intenso e significante foi passar por tudo isso!

Rafael Farnezi, colunista MundoTRI, campeão mundial da ITU na categoria 25-29 anos

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