Selva de ferro: São Paulo recebe seu primeiro Ironman

Atualizado em 19 de setembro de 2019
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Esqueça as praias paradisíacas. Nem pense em lugares bucólicos, selvagens, cercados de natureza. A grande novidade no universo das provas de triathlon de longa distância será na décima maior cidade do mundo, onde se espremem quase 21 milhões de pessoas. Em novembro, estreia o Ironman 70.3 (popularmente conhecido como “meio Iron”: 1,9 km de natação, 90 km de ciclismo e 21 km de corrida) São Paulo.

Sim, a “selva de pedra” recepcionará um bando de malucos nadando, pedalando e correndo por horas em suas entranhas. A competição será quase inteiramente realizada num dos “oásis” paulistanos, a Cidade Universitária, lugar com tráfego controlado, muitas árvores e que respira esporte.

Na USP serão realizadas as etapas de natação (na raia de remo) e corrida. O pedal, em contrapartida, será num dos ícones urbanos da cidade: a Marginal Pinheiros. Normalmente assustadora para os ciclistas (selvagem ali, só o tráfego de automóveis e caminhões), será um domingo de sonho — só bicicletas na pista.

Baseada nos registros de participação em suas provas, a Unlimited Sports, organizadora do evento, calcula que de 35% a 40% dos triatletas do Brasil estão baseados em São Paulo. O total em atividade no País giraria em torno de 20 mil. E todos os praticantes paulistanos treinam no campus da USP, assim como a esmagadora maioria dos corredores da cidade.

Essa intimidade com o percurso da corrida, contido integralmente no interior da Cidade Universitária, certamente contribuiu para o rápido esgotamento das inscrições. Em apenas uma semana após a abertura, foram preenchidas as 1.700 vagas do evento, marcado para o dia 10 de novembro. E, mesmo a natação, ainda que a raia seja praticamente exclusiva dos remadores, é conhecida pelos triatletas ou por provas esporádicas ou só “de vista” — ainda assim, triatletas locais se sentirão mais à vontade do que em águas abertas estranhas.

O ciclismo será 80% montado na Marginal Pinheiros — os atletas farão retornos pelas pontes da Cidade Universitária, Transamérica e Morumbi, com passagem pela Ponte Estaiada (um dos cartões-postais de Sampa).

Carlos Galvão, diretor da Unlimited Sports, já vinha tentando realizar a prova em São Paulo há três anos. “É uma costura delicada que estamos fazendo nesse tempo todo. Necessitamos do aval da prefeitura, da USP e da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). Precisamos bloquear o trânsito daquela região por oito horas, e fazer isso numa cidade como São Paulo, que não para, não é fácil.”

É bem verdade que há também resistência por parte de triatletas de outros estados. “Tenho colegas aqui no Sul que se queixam da água escura da raia. Dizem que lhes dá uma certa fobia e reclamam do cheiro. Não sei direito por que se queixam tanto. Já disputei um Troféu Brasil na USP e acho as condições muito boas. Não tem correnteza na raia e acho que dá para fazer a parte do nado muito bem lá”, opina a triatleta amadora Luca Glaser, de Curitiba.

Cidade universitária USP, local onde ocorrerá maior parte da prova.
Cidade universitária USP, local onde ocorrerá a maior parte da prova

Infelizmente, a prova não será disputada por triatletas de elite, o que impedirá que o público testemunhe feitos incríveis desses superatletas de endurance. “Quando conseguimos os avais para a realização da prova, o calendário da WTC (World Triathlon Corporation) já estava montado. A partir da segunda edição, em 2020, queremos contar com triatletas de elite, sim”, avisa Galvão.

Ainda assim, a etapa paulistana pode ser um marco para a popularização do esporte no Brasil. “São Paulo é uma vitrine fantástica para o triathlon, e acho que será um divisor de águas.” Sem os atrativos turísticos das belas cidades litorâneas que recebem as outras etapas do circuito, a capital paulista atrai por outros motivos. “Esta metrópole é um ponto de entrada para o País. Qualquer voo internacional desembarca em São Paulo. Essa facilidade deverá atrair competidores estrangeiros.”

Com a fixação de São Paulo no calendário, o Brasil conta agora com cinco eventos na distância 70.3 (Meio Ironman). Os outros quatro são realizados em Florianópolis, Rio, Maceió e Fortaleza. Já o Full Ironman (distâncias de 3,9 km, 180 km, 42 km) segue “filho único”, com uma única edição anual em Floripa. Assim como acontece na corrida, os triatletas brasileiros parecem preferir distâncias menores — ou, no caso, não tão grandes…

Natação

A Raia da Cidade Universitária não é exatamente uma tentação — a água é escura e fria. Mas não é nada poluída, como pode parecer pela proximidade com o Rio Pinheiros. A raia, inaugurada em 1973, foi formada pela dinamitação das margens de alguns lagos e em suas águas vivem algumas espécies de peixes e tartarugas. E, ao lado da distante Represa de Guarapiranga, possivelmente é o único lugar com águas abertas para receber uma prova de triathlon na capital paulista. A água fria também tem suas vantagens: o wetsuit, por exemplo, estará liberado.

“A roupa de borracha oferece melhor flutuabilidade”, explica José Belarmino Souza Filho, triatleta e instrutor da Lobo Assessoria Esportiva. “Além disso, a água na raia é parada, o que proporciona fácil navegação. Um atleta bem treinado pode concluir essa parte bem rápido”, diz o treinador.

Mas, embora a água da raia olímpica seja livre de ondas e correntes, o local tem peculiaridades que não são favoráveis. “A água da raia olímpica da USP não facilita tanto porque a densidade da água doce é menor. Ela tem menos flutuabilidade do que a água do mar”, diz o triatleta Fernando Toldi. A natação será disputada num retângulo, com pouco menos de mil metros nas pernas de ida e de volta.

Ciclismo

O asfalto da Marginal já foi muito pior. Ainda assim é bom manter os dois olhos muito bem abertos. Oscilações num asfalto que diariamente é ocupado por milhares de caminhões são normais — no Brasil, pelo menos, são — e um tombo pode acabar com a “brincadeira”. Belarmino recomenda especial atenção, e não apenas com buracos. “É bom seguir as linhas demarcadas pelos cones. Saindo delas, o atleta pode se complicar na entrada e saída de túneis, onde escorre água. É importante também prestar atenção em tartarugas e olhos de gato, que podem arruinar uma prova.”

O percurso de 90 km tem início na avenida da raia, ainda dentro da USP, a Professor Melo Moraes. É preciso ter atenção na rotatória de saída da Cidade Universitária, em frente à Academia de Polícia Civil, porque nesse trecho, especialmente, o asfalto não é dos melhores. Em seguida, os atletas acessam a Avenida Lineu de Paula Machado em direção ao Túnel Sebastião Camargo.

Após chegar à Avenida Juscelino Kubitschek e passar pela rua Professor Geraldo Ataliba, os atletas acessarão a Marginal Pinheiros pelo Viaduto Marcelo Portugal Gouvea. Na pista expressa da Marginal, os triatletas completarão duas voltas até retornarem à USP pelo mesmo trajeto. O percurso no trecho da Marginal será exclusivo para os atletas, sem dividir espaço com os carros. Na Marginal, para completar as duas voltas, os atletas farão os retornos nas pontes da Cidade Universitária, Transamérica e Morumbi, passando pela Ponte Estaiada.

Corrida

A parte mais tranquila do 70.3 de São Paulo, se é que correr uma meia-maratona depois de nadar 1.900 metros e pedalar 90 km possa, em qualquer circunstância, ser considerado “tranquilo”, será a corrida. Disputada praticamente inteira na parte mais plana da Cidade Universitária, a Avenida Professor Melo Moraes, ao lado da raia, o lugar tem muitas árvores e a umidade e frescor proporcionados pela água da raia — ainda que a prova seja no auge da primavera, São Paulo não costuma respeitar estações e pode estar bem quente em novembro.

A largada e a chegada serão na pista de atletismo do Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas da USP), que foi reformada no contexto da preparação para os Jogos Olímpicos de 2016. É lá que a equipe de atletismo do Esporte Clube Pinheiros, a melhor do País, realiza seus treinos.

O grande desafio, na opinião de Belarmino, é evitar o entusiasmo que pode despontar devido à facilidade do percurso. Afinal, são 21 km. “É necessário não se empolgar. Continue fazendo aquilo que treinou, sem descuidar da hidratação. Não tente fazer mais, porque há o risco de quebrar”, adverte o treinador.

 
 
 
 
 
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SOLD OUT! Estamos muito felizes em anunciar que, exatamente uma semana depois de abrirmos as inscrições, as vagas para o IRONMAN 70.3 São Paulo estão esgotadas! Atingir o número de 1700 atletas inscritos tão rapidamente demonstra a força que tem a cidade de São Paulo e o tanto que se fazia necessário um evento deste porte na região! Agradecemos a confiança e preferência de todos os triatletas inscritos e a ajuda de nossos parceiros, colaboradores e patrocinadores para que essa seja uma prova realmente inesquecível! Nos vemos em novembro! ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ 🇬🇧 SOLD OUT! A very big THANK YOU to all the athletes that registered for our race! See you guys in November! ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ #IMBrasil #IM703SP #triathlon #triathletes #sp #saopaulo #ironman #unlimitedbr

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Proibido para menores

Ninguém deve começar no triathlon com um Ironman. Ou não deveria. No entanto, a força do marketing do Ironman tem levado alguns novatos a queimar etapas. “Ironman é uma marca muito forte, que dá status. Muita gente prefere referir-se a si mesmo como “ironman”, esquecendo-se de que, antes, é triatleta”, constata Galvão.

“Muita gente querendo começar no triathlon por um 70.3, esquecendo-se do Short (750 metros, 20 km e 5 km) e do triathlon olímpico (1.500 metros, 40 km e 10 km). É como começar a correr não por uma prova de 5 km ou de 10 km, mas por uma meia-maratona”, compara a triatleta amadora Luca Glaser, editora de um blog e de um canal do YouTube que levam seu nome.

Ainda assim, embora não seja nada recomendável, é possível para um atleta que ao menos já corre fazer uma preparação de seis meses e começar o triathlon num Meio Ironman (70.3). “É necessário recorrer a uma assessoria esportiva e se organizar para treinar por 16 a 20 horas por semana, pelo menos”, analisa Luca. “Mas insisto: acho importantíssimo também participar de umas duas provas no Short ou no Olímpico durante a preparação, pelo menos.”

Aos novatos, o triatleta José Belarmino Souza Filho, tricampeão do 70.3 de Fortaleza, avisa que há um tempo-limite para concluir cada etapa da prova. “Aquele cara que nunca fez triathlon e que quer participar pelo desafio tem de ter em mente que, se nadar muito mal e estourar o tempo-limite, nem vai para o pedal. E se tiver um pedal muito fraco, não vai para a corrida.”

Belarmino tem deparado com muitos atletas despreparados que prejudicam os competidores mais velozes, sobretudo no ciclismo. “A gente vê, em várias provas, muitos atletas que não têm muita habilidade para entrar numa curva ou para sair dela, e acabam provocando acidentes. Quem anda mais devagar deve ir para a direita. É a mesma regra que um motorista com carro mais lento deve seguir se estiver dirigindo numa rodovia.”

A exigência física representada pela demanda a diversos grupos musculares é significativa até mesmo para especialistas experimentados. Exemplo disso é a participação de Thiago Pereira, medalhista olímpico na natação, em sua primeira prova no triathlon olímpico (1,5 km de natação, 40 km de ciclismo e 10 km de corrida), em abril do ano passado, no Troféu Brasil de Santos. Pereira terminou em primeiro lugar na natação, mas sofreu muito no pedal e terminou na 41ª posição no geral. “Ele concluiu a prova exausto.”